Foto:
Jefferson Peixoto/Secom PMS
O Programa Nacional
de Imunizações (PNI) é referência mundial, já que oferece, gratuitamente, todas
as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mesmo com essa
oferta, a cobertura vacinal vem caindo no país. Estudo feito por diferentes
faculdades de Medicina do estado de São Paulo e apresentado no 15º Congresso
Paulista de Pediatria, em março, teve por objetivo calcular a taxa de recusa
dos pais em vacinar os filhos e avaliar os fatores determinantes.
A autora principal do
estudo, a médica Regina Célia Succi, membro do Departamento de Infectologia
Pediátrica da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), informou que o estudo
foi baseado em um questionário respondido pelos pais (on line ou pessoalmente)
sobre vacinas e calendário vacinal, além dos temores e dúvidas. Responderam à
pesquisa 579 pais, sendo 92,9% do sexo feminino.
Nos resultados
iniciais, o estudo mostrou que 95% dos pais acreditam que seguir o esquema
recomendado pelo médico é o melhor para os filhos, já 63,6% entendem que têm
direito de questioná-lo. Embora 94,3% dos pais acreditem que a imunização
protege contra doenças potencialmente graves, 14% deles não confiam na
segurança das vacinas e 12,1% acham que os filhos recebem mais vacinas do que o
necessário.
"Saúde
pública"
A aluna de doutorado
Ana* considera importante tomar as vacinas previstas no calendário,
principalmente as que protegem de doenças mais graves. “Estatisticamente, é
mais perigoso e potencialmente fatal pegar alguma das doenças do que o risco de
reação às vacinas, então acho válido e dei todas do calendário. Outro motivo
pelo qual escolhi dar vacinas é que, por vezes, existem crianças com condições
médicas que não permitem tomar vacinas e, muito menos, pegar doenças. Proteger
crianças saudáveis é também evitar exposição dessas crianças a algumas
doenças”, disse a mãe de Alice, de 3 anos.
No entanto, ela
decidiu não dar uma das vacinas à filha. “Particularmente, não dou vacinas para
gripe, por exemplo, pois a minha filha tem um sistema imunológico incrível e raramente
fica doente. Tomar vacina não é só uma decisão individual é uma questão
coletiva, de saúde pública.”
Opinião semelhante
tem a médica Regina Succi, autora do estudo. “Deixar de vacinar apenas porque
alguém disse que pode ser perigoso é um risco muito grande – eu não estou pondo
só em risco o meu filho, mas também estou pondo em risco as pessoas com as
quais ele vai entrar em contato”. A médica explica que, se uma criança sadia
não se vacina, e depois tem sarampo, por exemplo, pode transmitir para alguém
que não pode tomar todas as vacinas, como os imunodeprimidos.
“É o que nós chamamos
de imunidade coletiva, vacina-se o máximo de pessoas possível porque há algumas
na população que não podem se vacinar porque têm doenças que contraindicam a
vacinação”.
Segurança das vacinas
De acordo com o
estudo, 38,8% dos entrevistados têm muita preocupação com a seguranlça das
vacinas e 26% responderam ter pouca. Oitenta e nove por cento dos pais dizem
que sua principal fonte de informações é o médico, seguido pela internet
(32,1%) e por parentes/amigos (23,7%). Quase 90% confiam muito no médico dos
filhos. Destes, 12,7% afirmam que não conseguem discutir adequadamente vacinas
com o profissional. Ainda segundo o estudo, a preocupação dos pais com a
possibilidade de eventos adversos graves foi muita (45,3%) e um pouco (36,6%).
Foi o que aconteceu
com a professora Viviane Sena, mãe de Dante, de 3 anos. Ela diz ser a favor das
vacinas, mas contra a forma como são oferecidas. “Às vezes, o bebê precisa
tomar quatro ou cinco vacinas por vez. As reações são inúmeras e piores do que
muitas doenças decorrentes de viroses. Deixei de dar [ao filho] a segunda dose
do rotavírus [vacina oral rotavírus humano (VORH)], que seria aos 4 meses,
porque, na primeira dose, aos 2 meses, eu literalmente pensei que ele não fosse
sobreviver, de tanta reação adversa”, contou a professora. “Pesquisei e vi que
o rotavírus está em constante mutação e que a vacina não é atualizada. Então
optei por não dar essa vacina por entender que ela traria mais danos do que
benefícios.”
Para Viviane, não há
informação adequada sobre a vacinação. “Nenhum profissional – nem médicos, nem
enfermeiros – soube me explicar ao certo sobre a vacina [contra o] rotavírus,
ninguém respondeu aos meus questionamentos, e o tom era sempre impositivo [para
dar a vacina]. E de tanta cobrança por faltar a vacina no cartão dele,
'aceitei' dar aos 7 meses essa vacina que deveria ter sido aos 4 e que eu não
teria dado, não fosse pela imposição dos profissionais da área. Falta informação
e acolhimento”, desabafou.
Para reverter esse
quadro de insegurança, a autora do estudo disse que os pediatras devem
aconselhar os pacientes. “Como professora universitária, sinto que temos que
preparar o aluno de medicina e os médicos para sentirem segurança na hora de
informar os pacientes sobre a necessidade e a segurança das vacinas.”
Imunização ameaçada
Segundo o Ministério
da Saúde, não há dados sobre a taxa de recusa vacinal no país. Mas de acordo
com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil
(Datasus), as oito vacinas obrigatórias até o primeiro ano de vida estão com
cobertura abaixo do recomendado pela OMS, que é 90% a 95%. A coberrtura vacinal
para crianças com até 12 meses de vida, em 2018, variava de 74% a 89%.
"Na nossa
avaliação, isso não está relacionado a grupos antivacinas, o que temos visto é
que essas vacinas da infância são um fenômeno que é o próprio sucesso do
Programa Nacional de Imunizações (PNI). À medida que se vacinou a população
infantil erradicaram-se doenças ou ficaram controladas”, afirmou a coordenadora
do PNI, Carla Domingues.
Ela lembra que na
década de 1970, o país registrava 100 mil casos de sarampo e 10 mil de
poliomielite por ano. "Essa geração de pais que foram vacinados na
infância deixou de adoecer, não conviveu com essas doenças. E eles começaram a
acreditar que não precisam mais vacinar seus filhos porque essas doenças não
existem, criando uma falsa segurança”, acrescentou. “Se pararmos de vacinar,
principalmente as crianças, doenças que ainda existem em outros países podem
voltar a ocorrer no Brasil."
Do início de 2018 até
8 de janeiro de 2019, o Brasil registrou 10.274 casos confirmados de sarampo.
Foram 12 mortes pela doença: quatro em Roraima, seis no Amazonas e duas no
Pará. Isso ocorreu depois de o Brasil ter recebido, em 2016, da OMS e da
Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o certificado de país livre do
sarampo, da rubéola e da rubéola congênita. Com os novos casos, o país perderá
a certificação.
“Quando se tem um surto
de um ano, significa que o país tem a endemicidade da doença novamente. A Opas
está avaliando e agora teremos que demonstrar para órgão que interrompemos essa
cadeia e ficaremos um período demonstrando que não temos caso, para o país ser
recertificado”, explicou a coordenadora do PNI, que avalia que a falta de
vacinação estimulou o surto.
Incentivo à vacinação
Para aumentar os
indicadores de imunização, o governo federal lançou, no último dia 11, o
Movimento Vacina Brasil, com ações coordenadas pelo Ministério da Saúde.
A Sociedade de
Pediatria de São Paulo (SPSP) também promove a campanha Abril Azul – Confiança
nas Vacinas: Eu Cuido, Eu Confio, Eu Vacino, com o objetivo de levar
informações sobre a importância da vacinação, aumentar a confiança nas vacinas,
além de discutir e mostrar os riscos da recusa vacinal.
Segundo a pediatra
Silvia Regina Marques, presidente do Departamento de Infectologia da SPSP, as
vacinas representam a melhor intervenção em saúde em termos de custo-benefício:
evitam 2 a 3 milhões de mortes a cada ano em todo o mundo e aumentam a
expectativa de vida. “Não vacinar as crianças coloca-as em risco de desenvolver
doenças potencialmente fatais (sarampo, tétano, difteria, meningite etc) e
causadoras de sequelas para o resto da vida, como paralisia (poliomielite),
surdez (meningite por H influenzae, caxumba), retardo no desenvolvimento, entre
outras”, alertou a especialista.
A proposta da
campanha é que os pediatras em seus locais de trabalho (hospital, ambulatório,
consultório e universidades) intensifiquem as discussões sobre o calendário
vacinal, situação vacinal da população e esclarecimentos sobre a recusa
vacinal. “O médico pediatra deve se manter atualizado sobre todos os avanços
nas vacinas e manter com a família dos seus pacientes estreito laço de
credibilidade e confiança.”
Por Ludmilla Souza -
Repórter da Agência Brasil - *Sobrenome não foi publicado a pedido da
entrevistada.
TRIBUNA DA BAHIA
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