A partir da segunda
metade do século XVI, colonizadores portugueses adentraram na região, na qual
surgiria o município de Nazaré. Antes, porém, a região era ocupada por aldeias
de tribos indígenas da etnia tupinambá. Fernão Cabral de Ataíde povoou a margem
direita do rio Jaguaripe, recebendo esta a denominação de Sesmaria de
Jaguaripe.
Fernão Cabral de
Ataíde viera de Portugal para a Colônia na década de 1560, com idade entre 25 e
30 anos. Acompanhado de sua mulher D. Margarida da Costa, nascida em Moura, e
seus sogros: Manoel da Costa e Beatriz Lopes de Gouveia. Deixando no Reino um
filho por nome de Manoel Cabral.
Fernão Cabral nasceu
na pequena cidade de Silves, no ano de 1541, na região do Algarve, considerado
o segundo reino da Coroa Portuguesa. Silves chegou a ser a capital do Reino
Algarviense e a sede do episcopado por vários séculos, até ser substituída no âmbito
político-econômico por Faro, no século XVI, mesmo século em que Fernão vem
residir no Brasil. Da sua ascendência, disse ser filho de Diogo Fernandes
Cabral e de Ana de Almada, além de ter tido um avô, que não conheceu, por nome
de Fernão Cabral.
Possuía dois irmãos
do primeiro casamento de seu pai: D.Violante Cabral e Manoel Dias Cabral. Do
segundo casamento de Diogo Fernandes Cabral com D. Ana Alcaceya, tivera mais
três irmãos, Frei Paulo da Gama, Nuno Fernandes Cabral e D. Joana Cabral.
Do seu matrimônio com
D. Margarida da Costa, teve sete filhos. Seu primogênito, Manoel Cabral, ficou
em Portugal. Em 1591, sua segunda filha Beatriz Cabral era casada com o
Desembargador de sua majestade e provedor-mor dos defuntos e ausentes, Ambrósio
Peixoto de Carvalho e deu-lhe um neto, cujo nome era Fernão Peixoto; os outros
filhos foram Diogo Fernandes Cabral, ainda solteiro; D. Ana de onze anos; D.
Francisca de nove anos, Bernardo Cabral e Nuno Fernandes Cabral, ambos de pouca
idade.
Para traçar uma
biografia de Fernão Cabral, embora um tanto acidentada, por ficarem algumas
lacunas, tem-se como fonte principal o seu envolvimento com a Inquisição, no
que resultou no quarto maior processo da primeira Visitação do Santo Ofício ao
Brasil. Longo também, em se tratando de período de tempo, gerando 265 folhas
manuscritas, vale salientar, que os processos inquisitoriais só são numerados a
parte da frente da folha, contendo conteúdo também em seu verso. Nele,
encontramos traços do seu temperamento e condição social, também encontramos
menção a seu nome, nos escritos do Padre José de Anchieta; do Reitor do Colégio
da companhia de Jesus, Fernão Cardim; Frei Vicente do Salvador e nos escritos
de Gabriel Soares de Souza.
A primeira notícia
que se tem é dada por Anchieta ao trasladar o auto da luta de Fernão Cabral com
os jesuítas inacianos. O auto de um requerimento foi lavrado no ano de 1571,
pelo tabelião Diogo Ribeiro, na época o Senhorio contava com 30 anos de idade.
Na década seguinte, em 1580, encontramos os seus feitos relatados por Frei
Vicente do Salvador, o capucho, que relata o levante dos índios Aimorés, contra
os quais o governador da época, Manoel Teles Barreto, ordenou que fosse Diogo
Correa de Sande e Fernão Cabral de Ataíde, por possuírem muitos escravos e aldeias
de índios forros, ao encontro dos Tapuias, maneira pela qual os Tupis chamavam
os Aimorés. Vicente do Salvador termina a descrição do fato dizendo que poucos
Aimorés morreram e que alguns gentios de Jaguaripe foram mortos a flechados.
Gabriel Soares de
Souza, Senhor de Engenho que escreveu o “Tratado Descritivo do Brasil em 1587”,
e tinha a sua fazenda bem próxima a de Fernão Cabral, enaltece o engenho de
Cabral, afirmando ser este um dos mais ricos do Recôncavo.
Em relação as suas
terras, para saber como as conseguiu, precisa-se remontar ao período do
governador Duarte da Costa. Com a volta do governador Tomé de Souza para o
Reino, assumiu o cargo como governador D. Duarte da Costa. Nesse período,
vários foram os levantes indígenas. Contra estes, o governador enviou seu filho
D. Álvaro de Costa, como Capitão, para frear os gentios, por tal empreitada
foram concedidas a este último, pelo rei D. João, no ano de 1566, uma banda das
terras entre o Rio Paraguaçu e o Rio Jaguaripe, mais o título de Capitão General
e de Governador da Capitania do Paraguaçu.
Gabriel Soares de
Souza afirma que as terras pertencentes a D. Álvaro da Costa, descendo sobre a
mão direita do Rio Paraguaçu, estavam povoadas por muitos moradores, porém
nenhum engenho, mas descendo o rio encontravam-se várias fazendas. No seu lado
direito, o engenho de Lopo Fernandes e a capela de Nossa Senhora da Graça, em
seu lado esquerdo o engenho de Antonio Adorno. Antes de chegar ao Rio
Jaguaripe, as terras já eram totalmente despovoadas, provavelmente devido ao
valor do foro cobrado por D. Álvaro da Costa.
Descendo o Jaguaripe
até uma cachoeira que estava a cinco léguas da barra. Junto a esta cachoeira,
sobre a mão direita do rio, se encontrava o Engenho de água de Fernão Cabral de
Ataíde, construído nas terras do rei, portanto livre de todo o foro e do
domínio de D, Álvaro da Costa, não tendo nenhum tipo de ligação com as terras
deste.
O também Senhor de
engenho Gabriel Soares e vizinho de Fernão Cabral, descreve o engenho como uma
obra muito formosa e ornada de nobres edifícios, casas de vivenda, oficinas e
uma capela dedicada a São Bento, além do casarão do próprio Cabral. Seria um
engenho hidráulico, um dos mais caros para o século XVI.
A residência seria,
então, o sobrado (ou casa grande), da Fazenda, a data existente na fachada é de
1585. Era um casario imponente, de dois pavimentos, o da parte térrea atingia
metade da área construída. Havia largos cômodos amparados por colunas grossas e
uma arcada sob a escada que dava ingresso ao primeiro pavimento. No andar,
digamos nobre da edificação, na parte da frente, surgem duas amplas salas e, no
tocante ao que resta do pavimento, se encontram sete quartos com inúmeras
janelas, exceto um, o cômodo central. Ao todo possuía 32 janelas, duas portas de
acesso pela frente e uma porta lateral. Por mais rudimentar que fosse, oferecia
amplas acomodações além de possuir uma ampla vista de todo o engenho e leito do
Rio Jaguaripe.
Quanto ao seu
envolvimento com a Inquisição, a principal denúncia contra Fernão Cabral, faz
menção a sua participação e proteção à Santidade do Jaguaripe, santidades eram
idolatrias gentílicas insurgentes. A santidade do Jaguaripe era uma santidade
Tupinambá, surgida entre 1580 e 1585 e guiada a Sesmaria do Jaguaripe, onde
seria destruída meses depois a mando de Manoel Teles Barreto, governador-geral
na época. A Santidade do Jaguaripe, formada, na fazenda de Fernão Cabral, tendo
este levantado uma “Igreja” para os ídolos dos gentios, também chamada como
“Nova Jerusalém”.
A santidade foi
destruída em 1585, mas abusão ameríndia, ainda participava da vida de Fernão
Cabral, levando o senhorio, seis anos depois, aos cárceres do Tribunal do Santo
Ofício no Brasil.
Heitor Furtado de
Mendonça, Visitador do Santo Ofício, chegou a Colônia em julho de 1591,
instaurando o Período de Graça. Fernão Cabral de Ataíde se confessou por livre
vontade no dia 2 de agosto, mas em setembro de 1591, tentando fugir com sua
família e pertences embarcado na Urca Flamenga que iria partir para Lisboa, foi
preso pelo notário do Sato Ofício Manoel Francisco e teve seu processo
iniciado.
O mandado é datado de
18 de setembro de 1591, mas a prisão só foi efetuada no dia seguinte, Fernão
Cabral foi colocado nas casinhas do Colégio dos jesuítas em Salvador, que
funcionavam como cárceres no período em que o Santo Ofício esteve no Brasil.
Permanecendo ali ao longo do seu processo até que foi sentenciado a 20 de
agosto de 1592. Foi condenado à abjuração de Levi suspeita na fé, pagamento de
mil cruzados para as despesas do Santo Ofício, ao degredo para fora do Brasil,
mas não especificando onde, mais penitências espirituais.
Os motivos das
denúncias realizadas contra Fernão Cabral foram: Participação e consentimento
da Santidade do Jaguaripe, mandar matar uma índia cristã, queimada viva em sua
fornalha; acometer a comadre Luisa D’Almada a ter relação sexual com ele dentro
da Igreja de sua Sesmaria; desrespeito ao clero e ao sacramento, apadrinhar o
matrimônio de um bígamo, ser judeu novo; praticar sodomia com uma índia virgem;
louvar fornicações e aceitar em suas terras uma feiticeira.
O senhorio foi solto
antes de cumprir o degredo, em 10 de setembro de 1592, através do “instrumento
público da fiança” para que em termo de seis meses fosse degredado. O fiel
carcereiro de Fernão Cabral foi Pero Besatto, morador em Salvador.
Desconhecemos a data correta de sua partida, mas em abril de 1593, já se
encontrava em Lisboa.
Não se tem notícia do
retorno de Fernão Cabral para a Colônia ao findar o seu degredo. Sobre os seus
bens, suas terras – região onde hoje é Nazaré – muito provavelmente ficaram sob
a guarda do seu genro, Ambrósio Peixoto de Carvalho, por serem os seus filhos
ainda moços. Fernão Cabral desapareceu dos manuscritos inquisitoriais em 1594.
Mas deixa sua história, imbricada na história do município de Nazaré.
Enquanto Fernão
Cabral deixa sua presença na história da Sesmaria de Jaguaripe, que ficava na
margem direita do rio. Na margem esquerda, e durante o século XVII, as terras
doadas anteriormente a Pero Carneiro passam para Antônio de Brito, local onde
este estabelece um engenho e sua moradia, constituindo a Fazenda Nossa Senhora
de Nazaré e Jaguaripe, construindo também uma capela, sob a licença do Bispo D.
Pedro Silva.
Segundo a tradição
oral, a construção da capela foi ocasionada pela aparição a uma camponesa, da
Virgem de Nazaré, desencadeando inúmeras romarias. Além da promessa feita por
Antônio de Brito, ao ter a graça de ver seu filho salvo ao cair de uma
embarcação, atribuindo o milagre a Santa. Na portada da Igreja, consta o ano de
1649. Como na maioria dos povoados desse período, em torno da capela, formou-se
a povoação denominada Nazaré.
No ano de 1753, o
povoado é elevado à freguesia, a qual, em 1831, pelo desenvolvimento é
promovida a categoria de Vila, com a denominação de Vila de Nossa Senhora de
Nazaré, ao mesmo tempo em que tem desmembrado de seu território, a região de
Jaguaripe. Anos mais tarde, em 10 de novembro de 1849, pela Resolução
Provincial de Nº 368, a Vila torna-se um município, com a denominação de
Constitucional Cidade de Nazaré.
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