O tratamento da Covid-19 ultrapassou as barreiras da ciência e da medicina e virou centro das atenções também no debate político em meio à pandemia. No entanto, para o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), Júlio Braga, os agentes políticos, na maioria leigos, estão discutindo o tema sob uma perspectiva que não lhes cabem. Para ele, a discussão da forma como vem sendo feita ainda acaba por influenciar e interferir na decisão dos reais protagonistas da situação: médicos e pacientes.
Seis meses desde os primeiros casos de coronavírus foram registrados no mundo, e nenhum medicamento teve eficácia no tratamento da infecção comprovada cientificamente. Diversas drogas e protocolos são testados desde então em hospitais do mundo inteiro. Algumas tentativas já caíram por terra, outras seguem em fase de testes e análise. Cloroquina, azitromicina, ivermectina, e outras, dividem opiniões, e não mais só dos médicos.
Júlio Braga, que é cardiologista e intensivista, explica que na prática médica tomar condutas com base em “evidências não muito fortes” é comum, mas que a decisão é subjetiva e deve ser discutida caso a caso entre médico e paciente. Braga é crítico da prática de utilização das dúvidas, tanto para classificar um medicamento como a cura, quanto para condená-lo. “A gente lamenta que essa decisão, que deveria ser individualizada entre médico paciente, tenha tomado esses contornos”, disse o vice-presidente do Cremeb.
O médico citou o “kit Covid”, distribuído por algumas prefeituras, e elencou pontos problemáticos desse debate irromper, sob a perspectiva errada, a barreira da ciência. Na avalição de Braga, aos gestores devem cair as decisões sobre o investimento de recursos. “Os gestores públicos podem optar por não investir dinheiro público em medicamentos sem comprovação, mas se ele disser que tem condições e não vai distribuir isso também não é correto. Ao mesmo tempo que é problemático o município que está com déficit de outros equipamentos fazer uso de recurso para isso”, ponderou Júlio Braga.
“Debate deve ser nesse sentido, de argumentação. E não sobre o que pode ou não pode, nem que é excelente, essencial ou proibido”, completou.
Ele lamenta que com a discussão acirrada sobre medicamentos, os pacientes cheguem aos consultórios e hospitais com opiniões já formadas, interferindo em um ponto importante na relação médico-paciente, que é a discussão do tratamento. Júlio explicou que o médico tem obrigação de esclarecer ao paciente as limitações de qualquer uma das intervenções, com isso cabe ao paciente fazer julgamento se deseja ou não tratar. “O médico e o paciente tem que saber a limitação, os custos, efeitos colaterais do tratamento, e isso o médico deve fazer de forma isenta e recomendar o paciente que pode ou não dizer que não quer tomar nada”, explicou.
Nota divulgada pelo Cremeb nesta semana destaca que o médico tem autonomia para prescrever remédios no modelo chamado "fora da bula". E que a decisão do profissional deve ponderar os riscos e benefícios da droga em cada caso, além da necessidade de ter sempre o consentimento do paciente.
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