Barbosa provavelmente teria morrido uma segunda vez se visse o circo em que se transformou a Operação Lava Jato hoje (10). O picadeiro de Curitiba, em que o ex-presidente Lula conhecerá seu perseguidor-em-chefe, será o ápice do estrelismo de Sergio Moro e seus procuradores, apesar de não estar coberto por uma lona.
O número de ilegalidades cometidas pelo time é assustador. O excesso mais evidente é o das 100 mil páginas juntadas ao processo no início desta semana, entre as quais a Lava Jato afirma ter provas para incriminar Lula com a posse do triplex do Guarujá. Por motivos inexplicáveis, o juiz permitiu a juntada de todas as páginas ao processo apenas dois dias antes do depoimento, tornando a defesa contra elas IMPOSSÍVEL.
O cheiro de má-fé torna-se especialmente forte quando descobrimos que a defesa de Lula já havia pedido essa tonelada de documentos em outubro de 2016, e teve seu pedido negado.
Para além disso, há a proibição arbitrária da transmissão ao vivo do depoimento, coisa que foi realizada sem problemas em ocasiões anteriores. Moro não permitiu nem mesmo a presença de câmeras da equipe de Lula dentro da sala de audiência - um direito permitido por lei, mas que atrapalharia os vazamentos seletivos que se tornaram a marca da Lava Jato.
Fora da alçada de Moro, apareceram outras decisões que ignoram a lei, como a decisão da juíza Diele Denardin Zydek, que emitiu uma liminar restringindo a organização de atos públicos e acampamentos pela cidade. Apesar do evidente assalto ao artigo 5º da Constituição, a prefeitura de Curitiba comemorou - aliás, foi o próprio prefeito Rafael Greca, aquele que tem “nojo do cheiro de pobre”, quem fez o pedido.
Menos de 24 horas depois, outro juiz decidiu chutar o balde e determinou a suspensão das atividades do Instituto Lula sem muitas explicações. Segundo o magistrado Ricardo Soares Leite, de Brasília, o Instituto “poderia ter sido instrumento ou pelo menos local de encontro para a perpetração de vários ilícitos criminais” - não que haja alguma prova, mas poderia.
São casos de arbitrariedade inacreditáveis, dignos de uma república de bananas. E estão se espalhando, cada vez mais, à medida em que a Lava Jato age acima da lei.
O direito de ser culpado
Iniciada como uma investigação de propinas na Petrobras, a Lava Jato ganhou força cedo nos noticiários nacionais pelos seus óbvios usos políticos. Longe de ter uma cobertura imparcial, as ações de Sergio Moro e sua turma foram transformadas em combustível para as campanhas pró-impeachment, e isso logo permeou as mentes dos próprios investigadores.
Depois de meses de bajulação, passaram a vazar informações que pudessem desestabilizar Dilma Rousseff, culminando na divulgação ilegal da gravação entre Lula e Dilma.
Mas o objetivo auto-admitido dos procuradores era prender o “chefe do esquema” - ou seja, Lula. Uma vez eleito o culpado, passaram a usar a máquina do Judiciário para incriminar outros investigados, na expectativa de uma delação que pudesse colocar o ex-presidente na cadeia. Depois de meses sem encontrar nada, o procurador Deltan Dallagnol admitiu, entre os slides de sua linda apresentação de PowerPoint, que “não tinha provas, mas tinha convicção”.
As arbitrariedades chegaram a tal ponto que um grupo de 19 advogados e juristas, inconformados, entraram com um pedido de afastamento de Moro. Foi quando veio a marretada: o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável por Curitiba, entendeu que, “em casos excepcionais, [o direito do investigado] pode ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal”. Ou seja, um literal Estado de Exceção.
Por 13 votos a 1, o TRF4 considerou a Lava Jato “incensurável” - um atributo normalmente reservados a monarcas da Idade Média ou regimes ditatoriais.
Com o STF totalmente acovardado diante dos excessos, a Lava Jato foi ganhando força midiática, e passou a utilizá-la como autorização para quebrar a lei. Em algum momento, passaram a adotar um tom notoriamente justiceiro, ao defender que a colaboração direta com a imprensa seria “um meio eficaz” de impedir questionamentos e barreiras legais.
A perseguição a Lula, que já era midiática desde a década de 70, passou a ser também jurídica. Grupos internacionais de defesa se formaram para proteger um ex-presidente, incluindo um especialista americano em “lawfare” (o uso político do assédio judicial).
Investigado há pelo menos 40 anos, o ex-presidente sempre se apoiou nas garantias do direito de defesa para atuar politicamente. Mas isso não será suficiente agora, porque, para a Lava Jato, ele já é culpado - só falta aparecer alguma prova.
A pergunta sincera, diante dessa megalomania, é até que ponto o Estado de Direito brasileiro vai suportar uma disseminação dessas práticas. Muito esforço se fez depois do impeachment para que os brasileiros fossem convencidos de que as instituições seguiam funcionando, mas a espiral aberrações jurídicas cresceu a um ponto em que a própria sobrevivência da lei precisa entrar em debate.
Esse descompromisso com a forma da lei já afeta uma parte relevante dos juízes, inclusive no STF. A corte máxima brasileira, desde o início da crise política, vem tomando decisões que fundamentalmente sabotam as garantias da Constituição de 88. No ano passado, não apenas ela abriu a porteira para o cumprimento de penas depois na segunda instância, como também autorizou as forças policiais a conduzirem invasões domiciliares a qualquer momento, sem mandado.
Essas decisões inspiram a atuação cada vez mais arbitrária de juízes em instâncias inferiores, e uma brutalidade cada vez maior da Polícia Militar. No limite, levam a casos como o de Rafael Braga, preso em 2013 por carregar uma garrafa de Pinho Sol e, anos mais tarde, condenado a 11 anos por tráfico de drogas, num processo em que apenas os PMs serviram de testemunhas.
Atropelar o direito de defesa de alguém é uma bomba-relógio. Primeiro rimos porque a lei é quebrada contra nossos inimigos, mas logo ela é quebrada contra nós. Daí convém um pouco de instinto de autopreservação: se nem mesmo um ex-presidente pode confiar no processo jurídico, quem vai proteger os cidadãos comuns dos juízes-deuses? Fonte Renato Bizan.
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