domingo, 29 de março de 2020
Lendas vivas mantêm acesa chama do 1º título brasileiro do Bahia
O Bahia foi ao Maracanã e calou o Santos de Pelé. É bem verdade que, naquele terceiro jogo da final da Taça Brasil de 1959, o Rei do futebol não esteve em campo. Ainda assim, ao voltar para Salvador com o primeiro título brasileiro da história, o Esquadrão de Aço foi recebido por uma festa apoteótica, em uma carreata que recebeu os jogadores no aeroporto e os acompanhou até a Praça Municipal, segundo o historiador Antônio Matos, autor do livro ‘Heróis de 59’. E hoje, 29 de março de 2020, completam-se 60 anos da histórica conquista do Tricolor.
Pelé não esteve presente no último jogo, mas apareceu nos outros dois. Na primeira partida, na Vila Belmiro, surpresa: triunfo do Bahia por 3 a 2. Ao chegar na Fonte Nova para a consagração do título, no entanto, o Esquadrão viu o rei desfilar sua arte em campo, com dois gols, e perdeu por 2 a 0. Na época, o regulamento da Taça Brasil previa um terceiro jogo, que o final todos já conhecem: 3 a 1 para o Bahia, campeão de 1959.
Sessenta anos depois (a partida decisiva só ocorreu em 1960), apenas dois heróis que estiveram em campo naquela conquista permanecem vivos. O goleiro Nadinho, de 89 anos, e o zagueiro Henricão, 86. Além deles, Benedito Borges, vice-presidente do Bahia à época, de 97 anos. Apesar de pouco ou nada falarem nos dias atuais, e de estarem no grupo de risco da pandemia do coronavírus, deixaram o legado de suas histórias aos seus filhos, esposas e netos, que falaram com o ATARDE. As entrevistas foram feitas por telefone, devido às recomendações de isolamento da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O “excepcional” Nadinho
Nadinho atualmente vive em Itapuã, com sua esposa, Tereza. Como não gosta de telefone, foi rápido quando perguntado sobre a sensação de conquistar o título. “Para mim, que já era veterano no futebol, foi coisa normal”, e depois não quis mais falar.
Sua esposa, no entanto, lembrou do quão importante seu marido foi para o Bahia. “Eu, pessoalmente, acho que ele ajudou muito o Bahia na época. Ele não bebia, não perdia noite, às vezes não precisava se concentrar, porque era muito bem comportado. Muito atencioso ao time, jogava mais pelo amor. Às vezes ele diz que não, porque a cabeça não tá funcionando como antes”, conta ela.
Na Taça Brasil de 59, o “goleiro excepcional”, na visão de Antônio Matos, sofreu 18 gols em 15 partidas disputadas. Uma média de 1,2 gol por jogo, número excelente para a época, já que a média de gols da Taça Brasil foi de 2,86. A do Brasileirão de 2019, por exemplo, foi de 2,31.
Hoje, Nadinho vive com o salário da aposentadoria de professor de educação física, e conta com a ajuda financeira dos filhos. Com a crise da Covid-19, Nadinho e a esposa estão em isolamento. “O sentimento, agora, é de muita tristeza, ansiedade, mas de esperança ao mesmo tempo”, garante Tereza.
A esposa de Nadinho argumenta que o Bahia não os oferece ajuda e não entra em contato com eles. Ela fala que o Tricolor parece ter “se esquecido de Nadinho”.
O clube, entretanto, desmente a informação, dizendo, inclusive, que o convidou para um evento em sua homenagem, mas ele não compareceu. Hoje, aconteceria um evento para lembrar os heróis do título ainda vivos, mas foi adiado em decorrência da pandemia.
O “voluntarioso” Henricão
“Não tinha muita técnica. Era grandão, e chamavam-no de ‘Gigante de Ébano’. Muito voluntarioso”, definiu Antônio Matos sobre o zagueiro Henricão. Hoje com 86 anos, o ex-atleta vive no Rio de Janeiro com sua família. Segundo Matos, ele está com Alzheimer e sofreu um acidente que o deixou sem parte da perna.
Filho dele, Carlos Henrique diz que o jogador também não deu tanta dimensão ao título quando o conquistou. “Talvez pelo fato de não querer jogar futebol e não ter, à época, dimensão histórica do que representava um título nacional por um clube nordestino, foi algo comum”, revelou.
Hoje, no entanto, o zagueiro lembra com gosto das histórias do tempo de jogador. Em uma de suas última entrevistas, concedida à neta em um canal do YouTube, fala que a relação entre os jogadores era ótima. Seus melhores amigos eram Florisvaldo, Biriba e Nadinho.
O conquistador Benedito
Dono de revendedora de carros, dava os melhores aos seu jogadores. Dono de rede de hotelaria, hospedava-os nos seus hotéis. E assim Benedito Borges, vice-presidente do Bahia à época, contratou boa parte dos campeões. Inclusive o atacante Léo Brigila, que veio do Fluminense e foi o artilheiro do torneio, com oito gols.
Sua relação com os jogadores era tão boa que, por vezes, queria até escalar o time. “Tínhamos uma boa convivência e eles me respeitavam. Ás vezes, ficava com raiva dos treinadores porque eu não aceitava derrota”, admite Benedito. Quando perguntado se teve alguma dúvida sobre aquele título de 59, não gosta. “Nosso time era espetacular, nunca considerei perder”, diz.
Irretocável
O Bahia pode se orgulhar de ter batido o Santos de Pelé, diz Antônio Matos. “Quando o Bahia passou para a semifinal para enfrentar o Vasco, já se dava por satisfeito. Foi disputar contra o Santos, e ser vice-campeão já era uma grande coisa, e ganhou na Vila Belmiro”, afirma o historiador.
Paulo Leandro, autor do álbum de figurinhas ‘A História do Futebol Baiano’, concorda, e aponta algo que pode ter sido crucial naquela final. “O problema do Santos ali foi que a decisão era pra ter sido no início de janeiro, mas o Bahia permitiu que eles fossem fazer uma excursão pelo exterior, que durou meses. O Santos chegou cansado para disputar a final”, relata.
Além disso, os dois concordaram em outra coisa: nunca viram uma doença mexer tanto com as estruturas do futebol como o novo coronavírus. A Gripe Espanhola, de 1918, que matou entre 17 e 50 milhões de pessoas, aconteceu quando o futebol ainda estava engatinhando. Hoje, com a “carência de ídolos” que ambos acreditam que o Bahia tem, esperam que as histórias dos heróis de 59 continuem intactas após a quarentena.
Sob supervisão do editor Daniel Dórea/ A tarde
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